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sábado, 22 de agosto de 2009

A andorinha


Era uma vez, uma andorinha diferente: ela não sabia voar.
Apesar desse seu problema, tinha muitos amigos que sabiam conviver no seu mundo sem precisar exigir que ela pudesse ter tal habilidade. Além disso, sabia aproveitar sua “vidinha” de diversas maneiras, pois tendo quem pudesse estar a seu lado era o que mais lhe importava.
Porém, ela sentia que algo estava lhe faltando, um tal algo para lhe preencher um vazio. A verdade é que a pequenina, além de não saber voar, era extremamente reservada quanto aos seus sentimentos. Ela se sentia só e uma leve insegurança que lhe incomodava muito. O que não era nada agradável, gerando todo esse desconforto.
Seria somente a insegurança? Talvez, lhe faltasse um pouco de confiança.
Com o passar dos tempos, seus amigos pássaros foram conhecendo novos bandos e dali se afastando. Conhecendo outros caminhos para a “felicidade” – diga-se que, instantânea – com a ideologia de que era melhor desfrutar o prazer de voar, voar e voar. Sem saber para onde, o por quê... Simplesmente, voar.
Então, a andorinha foi ficando mais sozinha. Afinal, ela não poderia segui-los se não sabia voar e, de qualquer maneira, nunca foi seu interesse estar por aí batendo asas o tempo inteiro, mesmo que o soubesse fazer. “É perca de tempo, se não tenho amigos verdadeiros”, pensava.
Era fim de tarde, e a pequena andorinha andava desconsolada por entre a floresta que já estava ficando escura, apenas acompanhada pelo seu gravetinho. Ela sente algo a lhe espetar as patinhas. Eram espinhos da mata relva. A coitada sai pulando em um só pé, com os olhos fechados em agonia e dor. E logo percebe um NADA abaixo de seus pés, e se dá conta de que está caindo em um buraco profundo. A queda foi tão brusca que, ao bater sua cabeça, ela desmaia em seguida.
Desperta com água caindo e encharcando seus olhos. “Oh, meu Deus! Está chovendo! Vou morrer afogada!”, grita em desespero.
“Ei, ei, calma!”, uma voz vinda lá de cima. “Fui eu quem jogou a água. Ouvi um barulho e vim verificar o que havia acontecido”. Era um canário quem falava no alto da beira daquele buraco.
Aquele passarinho pergunta como ela está e estranha o porquê de não sair de lá voando. Então ela explica sua dificuldade e o canarinho lamenta seu problema dizendo que não tem a mínima idéia de como tirá-la daquele buraco, pois já é noite e não há como clamar por ajuda a uma hora dessas. O canário é novo na floresta e não conhece os animais que por ali habitam.
Preocupado com a situação em que a andorinha se encontrava, ele diz: “Não se preocupe, amiga andorinha. Ficarei contigo a noite inteira, aqui ao seu lado. Não há o que temer, jamais te deixarei só. Eu prometo”.
A andorinha se comove e suspira de alívio. Tamanha era sua felicidade naquele momento ao saber que alguém realmente se preocupava com ela.
O canarinho não a abandona e canta uma linda canção. E, assim, ela adormece.
Já é dia e o passarinho desperta-lhe cantando. Com muito esforço, o canário forma um tipo de cabo feito com galhos entrelaçados para ajudá-la a sair. Apesar de toda a situação, a pequena agradece-o. Alguém se importava com seu bem-estar.
A partir daí, uma amizade muito forte surge entre os dois pombinhos, digo, passarinhos. O que torna a pequenina andorinha confiante, sentindo a liberdade de poder se abrir com seu novo amigo, coisa que jamais fizera antes. De uma certa forma, ele lhe passava segurança.
Aos poucos, o canário ia tentando lentamente transformar essa amizade “colorida” em algo mais. Numa amizade romântica. Ele parecia gostar muito dela e o problema é que ela nunca notava. Talvez, não quisesse acreditar.
Profundamente envolvida e feliz com tudo o que acontecera em tão pouco tempo, era como se conhecessem a vida toda. Porém, ela sentia que algo fazia-lhe temer o fim de tudo isso. Uma leve intuição?
Repentinamente, uma angústia toma-lhe de fininho no peito, “Meu amigo canário, nunca tive uma amizade tão perfeita... Tenho medo que amanhã você me esqueça e diga que tudo não passou de um sonho, uma mera ilusão. Medo de perder-te e nunca mais ouvir sua canção.” Ao escutá-la, o canário acalenta-a e, envolta em suas asas, suas penas são molhadas por lágrimas.
A amizade construída não tinha mudado até o momento.
Numa certa manhã de inverno, o canário não aparece e a andorinha fica confusa com seu desaparecimento. Alguns dias depois, decide ir ao seu encontro.
“Amigo canário, o que houve? Você anda estranho, nunca mais me procurou. Preocupo-me”, ela diz aflita. O canário apenas responde: “Não há nada...”. Ela retruca: “Como nada? Você está diferente. Seu comportamento mudou. Será algum problema comigo? Nunca mais te ouvi cantar”. Baixa a cabeça e continua, “Ah, desculpa... Eu não tenho o direito de exigir de ti atenção, quem sou eu, não é?! Mas, se for algum outro problema pode me contar. Você sabe que estarei SEMPRE AO TEU LADO!”, ela repete o que um dia ele lhe prometeu.
O canário logo lhe responde: “Não há nada, é impressão sua. Não há nenhum problema com você. E saiba: o destino NUNCA irá nos separar”. Pareceu convicto e, ao mesmo tempo, aquela situação não soava nenhum pouco convincente para a andorinha. Mas, tranquiliza-se um pouco e abraça-o.
Toda a harmonia havia voltado. Era de seu amigo, único amigo, que a andorinha mais necessitava por perto. Ela sentia que ele era o algo que, pelo menos, não deixava seu peito tão vazio.
As coisas tinham voltado ao normal. Pelo menos, era o que parecia.
Mas, por ironia do DESTINO, ela nota novamente a ausência constante de seu amigo e pensa consigo mesma, “Hum, o que será que aconteceu? Acho que deve estar doente. Vou visitá-lo”.
Como moravam muito distante um do outro, ela sempre pedia a generosa Lebre para lhes dar uma carona. Durante o percurso da viagem, ela ouve um canto que, por sinal, muito parecido com o do seu querido canário. Reconhece que era ele que estava ali por perto. Então, ela inclina sua cabeça de modo que seu bico fique totalmente voltado para o céu e logo avista-o num galho de uma enorme árvore. Percebe que estava acompanhado por uma linda e charmosa Rouxinol. Era para ela que ele dedicava a canção. A mesma canção que dedicou a sua amiga na noite em que se conheceram.
Aquela cena, toda aquela sensação tinha sido como um tiro de um caçador de pássaros acertando-lhe no peito. A cabecinha da pequena caiu de tristeza e pediu para a Lebre que retornasse imediatamente para casa.
A cena transformou seu mundinho num labirinto. Não sabia o que acontecia com seu coração que batia disparado, não entendia o porquê da sua reação. Sempre soubera que o que sentia por seu amigo era algo diferente, só não se dava conta do quanto. Vivia um "romance às aversas" e não sabia.
Dali em diante, decidira que nunca iria comentar o que vira naquela tarde e jamais perguntaria quem era, o que fazia, que sentia, simplesmente, NADA!
Afinal... pensava consigo: “Não tenho o direito de exigir nada, quem sou eu, não é mesmo?! Uma reles andorinha que não sabe voar. Além de tudo, somos amigos, muito amigos”.
A verdade é que já não estava muito confiante desta última afirmação. Ele pensaria o mesmo?!
Nos dias em que se seguiam, viam-se com frequência e nada de comentários do que tinha acontecido. A andorinha, cada vez mais, sentia-se desconfortável a ponto de dizer tudo, mas que saíam apenas reticências. “Mas... para quê?”, perguntava-se, com a incerteza de que ele iria entender que ela sentia algo por ele. Porém, o que mais lhe incomodava era o fato de que ocorriam mudanças o tempo inteiro a respeito do canário. Ora, era o amigo mais atencioso, mais carinhoso e dedicado que conhecia. Ora, era o canário mais MUDO que, até então, existia. Uma onda de confusões mentais que rondavam-na.
Com toda essas confusões, ela foi voltando a ser aquela antiga avezinha reclusa, tão privada que era. Por não entender o quão volúvel e inconstantes eram os seres que em sua vida conhecera.
Foi uma amizade, um romance desconhecido, tão firme como um rio que corre calmo, e que se transformou em gelo. Agora, desmanchava-se formando correntezas de um mar revolto.
Resolvera se afastar o quanto pudesse para que seu âmago não desfalecesse mais do que já estava. Gostaria de viver sua vida, e essa seria a melhor forma de conseguir.

Em meio a esses conflitos e mal entendidos, um certo dia, a andorinha já conformada que tudo aquilo não se passava de uma mera ilusão, ela conhece um novo amigo, o Golden - um lindo pássaro dourado. Golden, que lhe fazia um bem tão grande a fim de recuperar seu ser mais íntimo mais do que imaginava acreditar, e prometera-lhe ensinar a voar.
O tempo vai passando e há dias, semanas, talvez meses que não via seu antigo amigo Canário, a quem prometera a si mesma esquecer e que, de uma certa forma, esquecera.
Aos poucos, a Andorinha vai aprendendo a voar com seu amigo Golden; ao menos tenta.
Em um de seus treinos, ela voa tão alto e acaba por cair bem distante.
Lentamente, vai reconhecendo o local onde estivera diversas vezes. Era ali que morava seu antigo amigo.
Por coincidência, ela estava com o mesmo gravetinho, o qual guardava desde o dia em que conhecera o Canário. Olha em volta e avista a casa dele, que parecia estar abandonada. E com este mesmo graveto começa a riscar a terra úmida. Quando se dá conta, ouve um barulho e, rapidamente, força um voo em retorno ao seu ponto de partida, deixando o graveto por lá.
O tal barulho vinha da árvore com a casinha abandonada. Foi aí que o Canário saiu e viu que algo estava escrito lá embaixo, no chão molhado pela chuva; desce, curioso e lê:
“Patético era esse sentimento,
Que desse jeito me ensinava a te perder
A procurar a outros braços
E te esquecer...”
Mas, não havia percebido que havia uma última frase abaixo e que estava coberta por uma camada de folhas, que assim dizia: “...Era apenas ilusão.”
O canário, confuso, não tinha noção alguma de como aquelas frases tinham surgido logo em frente a sua moradia.
Enquanto isso, a andorinha voava junto ao seu novo amigo, e realizava coisas inimagináveis.
Voava de um modo diferente de outros pássaros.
Voava com prazer de viver, e não de apenas VOAR.
Voar e saber porquê está voando...
Voar e saber para onde voar.

A andorinha e o canário...
Se o destino os separou?
Não existe destino. A gente o constroi.
Se esse foi o FIM?
Não existe um fim, existe um novo começo!

A mente humana iguala-se a de um pássaro.
Todos querem voar (ou amar). Muitos não sabem para onde e nem como, apenas com desejo de voar.

[Continua...]


By: Ariane Carvalho Xavier